Faz muita diferença um estádio esportivo tiver sido construído especialmente para mulheres? Como torcedora e portadora de ingressos para jogos no atual estádio do Kansas City Current, já entrei diversas vezes nessa discussão.
Aqueles que têm mais poder geralmente estão em posição de determinar quem fica com a melhor parte… e quem precisa se contentar com as sobras.
O modo como tratamos uns aos outros é ditada por muitas regras – ditas e não ditas – baseadas em uma série de características pessoais. Essas convenções determinam como os outros nos veem e quais comportamentos em relação a outros grupos nós acreditamos ser aceitáveis.
Nada disso parece ter a ver com a conversa sobre a construção de estádios esportivos. Mas essas coisas importam – e muito.
Macaela MacKenzie talvez tenha sido a pessoa que melhor expressou essa questão em seu novo livro “Money, Power, Respect: How Women in Sports Are Shaping the Future of Feminism” (Dinheiro, poder, respeito: Como as mulheres no esporte estão definindo o futuro do feminismo, em tradução livre).
AS MULHERES ESTÃO SE MOBILIZANDO PARA RECRIAR SISTEMAS E INVENTAR FERRAMENTAS E PRODUTOS QUE FUNCIONEM PARA ELAS.
Quando um grupo é repetidamente relegado a segundo plano ao longo da história, isso interfere nas chances de sucesso dessas pessoas. A falta de investimentos nas atletas contribui para o abismo entre gêneros no esporte, o que faz com que seja praticamente um milagre que figuras como Caitlin Clark (jogadora de basquete) e Coco Gauff (tenista) sejam tão espetaculares em suas carreiras – quebrando recordes masculinos e atraindo públicos também recordes, que chegam a ultrapassar aqueles trazidos aos estádios pelos homens.
Imaginem só quantas outras mulheres atletas poderiam se destacar se investíssemos nelas tanto quanto investimos nos esportes praticados por homens?
Quando algo é criado para alguém por pessoas que passaram por dificuldades e experiências semelhantes, isso transmite sentimentos de orgulho e confiança. Se alguém for membro de um grupo social que em algum momento foi marginalizado, passar pela experiência de ser tratado como um membro da elite ou como um famoso vai significar muito para essa pessoa.
É por isso que fiquei maravilhada em 2022 quando, em uma sala de aula, ouvi Dani Welniak, vice-presidente de comunicações do KC Current, falar, para uma sala cheia de líderes locais, sobre um estádio novo e inédito para o time profissional de futebol feminino de Kansas City – na verdade, o primeiro a ser construído para um time da Liga Nacional de Futebol Feminino dos EUA.
A criação de um estádio com capacidade para até 11,5 mil torcedores foi conduzida por uma empresa de construção pensada para mulheres e liderada por mulheres, tendo como co-fundadoras Angie Long e Brittney Mahomes.
Este estádio foi literalmente projetado de mulheres para mulheres. Ele demonstra detalhes de inclusão muito bem pensados, tais como salas especiais para crianças e adultos com sensibilidade auditiva, uma sala de amamentação para mães de bebês e um vestuário para famílias com crianças pequenas.
O que mais me marcou na apresentação de Welniak foi a resposta que ela deu para uma pergunta feita pela audiência. “O que o KC Current pensa a respeito de não ter conseguido uma parceria público-privada e do fato de que um time de mulheres não seja capaz de angariar o apoio que merece da comunidade? Isso não é revoltante?”
Welniak deu um sorriso tímido, depois abriu um sorrisão e disse para a audiência algo como: “sei lá. Não é assim que eu me sinto”.
QUANDO ALGO É CRIADO POR PESSOAS QUE PASSARAM POR EXPERIÊNCIAS SEMELHANTES, TRANSMITE SENTIMENTOS DE ORGULHO E CONFIANÇA.
E ela está certa. Os donos do time tiveram uma visão aguçada e não precisam da aprovação ou da participação dos sistemas tradicionais que, histórica e repetidamente, negligenciaram os investimentos nos esportes femininos. Elas conseguiram influência, dinheiro e recursos o suficiente para fazer tudo sozinhas, do jeito delas.
E isso é o que difere as mulheres na economia atual. Não precisamos mais esperar para seguir as regras de uma sociedade tradicional que investe pouco em nós e não prioriza nossas necessidades e desejos. Agora, temos autonomia e poder econômico suficientes para seguir nossas próprias regras.
Em todos os lugares, as mulheres estão se mobilizando para recriar sistemas e inventar ferramentas e produtos que funcionem para elas. Conheci mulheres da área de tecnologia que estavam cansadas de uma profissão que as desvalorizava e criaram suas próprias empresas.
Acredito que o mais empolgante sobre os esforços de empresas como Carely, Marma ou Leva é que elas estão liderando o desenvolvimento de produtos que resolvem problemas que elas experimentaram na própria pele – problemas que não foram resolvidos pelas empresas tradicionais de tecnologia, mas que deveriam ter sido.
Vejam, por exemplo, o império da marca Spanx, construído por Sara Blakely, que desenvolveu um estilo de cinta-liga que ela sabia que as mulheres iriam querer, porque também queria, mas ainda não existia.
QUANTAS OUTRAS ATLETAS PODERIAM SE DESTACAR SE INVESTÍSSEMOS NELAS TANTO QUANTO NOS ESPORTES PRATICADOS POR HOMENS?
Veja empresas de capital de risco como a Pivotal Ventures ou o Female Founders Fund, administradas por mulheres que, por meio de um acúmulo de recursos sob seu controle, começaram a investir nas prioridades, ideias e inovações das mulheres.
Para onde quer que olhemos, as mulheres estão criando coisas que melhor representam o mundo em que elas querem viver. Isso é inspirador, e estou aqui para testemunhar.
Essa é a razão pela qual pessoas como eu investem em ingressos para a temporada de 2024 do KC Current em seu novo estádio de futebol, feito por mulheres e para mulheres. Um estádio assim nunca foi tão importante.